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IA na Educação: potencialidades, desafios e caminhos inadiáveis

“A mudança, todos sabemos, é irreversível. Só conseguiremos restaurar-lhe a harmonia se construirmos uma educação que a aceite, a ilumine e a conduza em sentido humano”. O pensador Anísio Teixeira, precursor do conceito de educação integral no país, já refletia sobre isso em 1963, em “Mestres de Amanhã”, quando alertava para as ansiedades e esperanças em torno de uma escola atravessada pela “explosão contemporânea dos conhecimentos, com o desenvolvimento da tecnologia e com a extrema complexidade consequente da sociedade moderna”. Passadas seis décadas, suas palavras ecoam com ainda mais força diante da chegada irreversível da Inteligência Artificial (IA). Quais são, então, os antigos e novos desafios que se abrem para a educação brasileira?

A questão não é mais se devemos ou não adotar a IA, mas como a educação pode assumir um papel ativo em garantir que sua presença seja ética, inclusiva e promotora do bem comum. O mundo do trabalho já dá sinais de que o impacto da IA é profundo e desigual. No Brasil, 76,6% dos profissionais acreditam que a IA substituirá seus empregos (CNN Brasil, 2025). Nos EUA, jovens de 22 a 25 anos em ocupações expostas à IA generativa — como atendimento ao cliente e programação simples — registraram queda relativa de 13% no emprego desde sua adoção (Brynjolfsson, Chandar & Chen, 2025). São indícios de que os impactos recaem de forma mais aguda sobre os trabalhadores em início de carreira e em funções mais automatizáveis.

Há sinais de que a sociedade deseja construir outros rumos. Pesquisa nacional do Observatório Fundação Itaú e Datafolha mostra que mais de 80% dos brasileiros acreditam que estudantes e professores devem aprender a usar a IA de forma consciente e responsável, e que a tecnologia pode apoiar diretamente o aprendizado. Mas o país precisa investir nas condições para que a escola se torne muito mais que mero local de consumo passivo de ferramentas digitais. De acordo com a recém-divulgada Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem (Talis 2024), coordenada pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), 64% dos professores brasileiros afirmaram não ter o conhecimento e as habilidades necessárias para ensinar com IA e 60% disseram que suas escolas não possuem a infraestrutura necessária para o uso dessa tecnologia. 

Na prática, isso exige valorizar, profundamente, o trabalho docente. Com professores bem formados para a supervisão humana, em escolas e redes com infraestrutura e suporte adequados, a IA pode apoiar avaliações, diagnósticos, planos de aula e estudos personalizados, desburocratizando tarefas repetitivas e sem retirar o que é insubstituível: vínculos, mediação e atenção individualizada. A presença da IA transforma, mas não substitui a docência — ao contrário, torna ainda mais evidente o valor da mediação humana no processo educativo. É na relação entre pessoas, na escuta e na convivência que o desenvolvimento humano se realiza.

Internacionalmente, cresce o consenso de que a aprendizagem em IA deve ir além do domínio técnico. É preciso incluir valores éticos, compreensão dos impactos sociais e capacidade de uso responsável, como sistematiza a Unesco, em seu Marco Referencial de Competências em IA para Estudantes. Essa visão dialoga com a política da China, que tornou obrigatória a inclusão da IA na Educação Básica: letramento, nos Anos Iniciais; uso responsável, nos Anos Finais do Ensino Fundamental; e inovação/criação, por parte dos estudantes, no Ensino Médio. De um lado, um quadro normativo internacional; de outro, uma política pública nacional robusta. Ambas apontam para o mesmo horizonte: preparar novas gerações não apenas para dominar competências técnicas, mas para disputar os rumos da tecnologia, com agência e criatividade.

Pensar na IA e na educação é, portanto, refletir sobre o que a escola precisa ser. É ir além do uso imediato por professores e estudantes: é mobilizar-se ainda mais em torno do  desenvolvimento humano. Caso contrário, corremos o risco de aprofundar desigualdades e criar novas formas de exclusão entre aqueles que sabem dialogar criticamente com algoritmos e os que apenas os consomem. Frente a visões de um futuro distópico que a chegada da IA provoca, os saberes dos povos originários já nos apontam caminhos. Ailton Krenak nos lembra em Idéias para Adiar o Fim do Mundo que “a gente não fez nada nas outras eras senão cair”. Por isso, ele também nos lembra da possibilidade de inventarmos "paraquedas coloridos", que nos projetam para outros futuros possíveis no sentido de reordenamento das relações e dos espaços, novos entendimentos sobre como viver. Assim, ao invés do pessimismo, negação ou paralisia, o momento é de agir: fortalecer um ecossistema educacional capaz de se relacionar com a IA como um catalisador para dar luz ao que realmente importa na formação de crianças, adolescentes e jovens. Em tempos de IA, adiar o fim do mundo é investir na potência da escola como espaço de conexão na presença, a abrir horizontes, cultivar uma formação integral e iniciar novas gerações na fabulação e construção de mundos mais felizes, equânimes e plenos.

Patricia Mota Guedes Superintendente do Itaú Social
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